Andei uns dias com uma tristeza e um
desânimo sem razão que eu pudesse detectar, mas que me sobrevoavam como ave
agourenta. Eu a mandava embora, ela depressa voltava. Fiz meus cálculos:
filhos, netos e marido bem, saúde boa, trabalho bastante, ainda dando para
pagar as contas. Mas eu me sentia doente.
"Exames, consultas, tudo ótimo, você
vai fácil aos 100", tranquilizou o médico amigo. Mas eu me sentia doente e
nunca fui de hipocondrias. "Repouse um pouco. Pegue leve", ele disse.
Obedeci. Em lugar de saltar da cama antes das 7, preparar o café, tomá-lo na
sala enquanto assistíamos ao noticioso, fiz o que, brincando, chamei de
"vida de celebridade": ficava até mais tarde na cama, às vezes o
marido até trazia a simpática bandejinha. Procurei controlar minha natural
ansiedade, nada de me preocupar com tudo e com todos. Mais contemplativa, do
jeito que na verdade eu gosto.
Então retomei meu ritmo antigo bem de
mansinho. Abro jornais e vejo noticiosos perto do meio-dia (assim também perco
um pouco a fome e os quilos necessários). Pois o que vemos, lemos, ouvimos é
mais de 90% deprimente, se não assustador. Lembrei-me de um senador da República
, Jefferson Péres, dizendo que deixaria a sua cadeira no Senado "com
profundo desalento" pelo que ocorria neste país. Um dos raros pilares da
grandeza e da ética, ele morreu em 2008, do coração, se não me engano em sua
casa em seu estado natal. Não deve ser grave erro atribuir essa morte, em
parte, ao peso daquele desalento que devia ser enorme, vasto e profundo, para o
levar àquele passo.
Eu não posso abdicar de meu país, e de
minha condição de quem aqui nasceu e escolhe todos os dias aqui viver, porque
este é o meu lugar, estas são minhas raízes essenciais. Porém, que está
difícil, está. O rio de lama se transforma num mar, aquele tão citado por
tantos políticos em tantas décadas. A quem recorrer, para que lado olhar? Teias
e tramas de corrupção se revelam em dimensões inimagináveis. Educação e saúde
continuam em desgraça, porque não as vejo de verdade favorecidas nem resolvidos
os seus piores males. Preparam-se assim gerações de ignorantes, incompetentes e
talvez de descrentes. Pois os líderes deviam ser nosso exemplo segundo, o
primeiro sendo os pais.
Não deve nos chocar ouvir um adolescente
dizer "por que eu devia estudar", "por que trabalhar
tanto", "por que ser honesto", se a gente acaba parecendo bobo
no meio dos espertos? O argumento é adolescente como o rapaz, mas não sem
fundamento. É preciso muito esforço, muito raciocínio, muita base de casa,
muito berço (não o esplêndido, mas o amoroso, reto, moralmente bom), para nadar
contra a correnteza escura, e tentar fundar alguma ilha de claridade, de
honradez, de trabalho, de interesse real pelos menos afortunados. Para buscar
uma humanidade como sempre imaginei que ela deveria ser - quem sabe um dia será
-, onde a gente sinta que vale a pena lutar, sonhar, ter esperança; onde se
adotem linhas firmes de conduta e ideologias do bem. Pois cada vez mais as
ideologias deixam de importar; valem os interesses, os votos, o poder, a
manutenção das condições favoráveis ao enriquecimento ilícito, às manobras por
mais e mais poder, e tudo o que gera violência, ignorância, miséria,
agressividade, stress e oque disse aquele senador: desalento.
Assim, higienizando minhas manhãs, eu me
sinto muito melhor. Estaria curada se quisesse me alienar de todo, mas isso não
posso: sou uma habitante deste planeta e deste país, e quero que tudo de bom
ainda possa florescer por estas bandas, antes de se passarem aqueles meus
profetizados 100 anos.
Eu sou fã dessa escritora! Esse texto descreve bem o que passei a
algumas semanas atrás, fiquei maravilhada quando o li, pois, além de falar
sobre grande parte da minha angústia, também me mostrou que não sou a única que
penso dessa forma. Foi uma das leituras mais importantes da minha vida.